Travessa da Ermida, 2020 - Ricardo Escarduça
alunos da fbaul na ermida
prémio de pintura 1ª edição
2019-2020

Julho 2020
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um percurso sobre a pintura
contemplação e introspecção, imagem e palavra, representação e percepção

A exposição “alunos da fbaul na ermida – prémio de pintura” concretiza o desafio proposto aos alunos desta instituição na forma de um concurso aberto – a celebração da Pintura no séc. XXI, e da Arte enquanto actividade vital ao Homem. Perante todas as transformações que a História da Pintura encerra e, mais especificamente, as possibilidades conceptuais e técnicas abertas pelos vários movimentos nos últimos cento e cinquenta anos, pintar é perspectivado como um estimulante acto de coragem.
As propostas apresentadas denotam diversidade técnica e profundidade temática de grande vigor e irrequietude, um impulso criativo face à tradição tanto quanto a seriedade dignificante perante esta mesma, impregnando o processo de escolha por um oxímoro de empolgante pesar, em virtude da qualidade dos trabalhos propostos e da inevitável exclusão dos preteridos. A decisão recai sobre Bárbara Faden, João Motta Guedes e Madalena Hipólito, nos quais realçam-se as opções artísticas que, pela Arte, envolvem e cativam sensorialmente, e fazem sobressair e reflectir sobre problemáticas e anseios do Homem.(...)

Da mancha no fundo cromático, terrosa e embaciada como o solo de um lugar intemporal que se estende entre porvir e memória, ardida pelo instante e regenerada pela constante que acolhe, que a risca, que nela se inscreve, sobressai o gesto de João Motta Guedes. O seu desenho escrito, poema desenhado, não está desamparado de um código que torne o discurso discernível. Nesta gestualidade encontra-se a busca histórica pela conciliação quimérica entre a imagem e a palavra. A fraternidade entre as artes da imagem pictórica e literária consagrada por Simonides de Ceos, e, no escorrer do tempo, por Horácio, Da Vinci ou Van Gogh, é assinalada pelo poema infinito que João Motta Guedes pinta. Perante este, a retórica desloca-se da poiesis própria ao pintor e ao poeta para a arché necessidariamente universal ao artista, e à obra de arte.

João Motta Guedes invoca esta anterioridade do artista e da obra. Das convenções de forma, matéria, meio, e código. O porvir da criação é o impulso do artista sonhador em gerar e expressar, em declarar e questionar, em organizar e desalinhar. A obra encanta e perturba, surpreende e ilude, contamina e purifica. Primordiais na edificação, documentação e conservação do ser do ser-humano, enriquecem a vida. Elevam a realidade no mistério e na ilusão das metáforas e dos símbolos, e iluminam o invisível e o indizível. Tal como o poema infinito de João Motta Guedes, a intemporalidade desta arché alonga-se e dobra-se desde um ontem e perdurará em um amanhã, entre ambos escondendo-se e revelando-se nas curvas dos tempos e dos espaços vividos. (...)


Ricardo Escarduça